Longe da família e dos hábitos urbanos, professores da rede
pública em Ilhabela (litoral norte de SP) passam até 30 dias seguidos ilhados para
poder lecionar em comunidades tradicionais.
Nove pequenas escolas, com turmas de até 12 alunos, ficam em
locais preservados e habitados só por caiçaras.
O acesso a centros urbanos só é possível pelo mar e o
cotidiano é privado de recursos básicos como energia elétrica, água encanada e
equipamentos eletrônicos.
Divididos em oito comunidades --entre elas as conhecidas
Bonete e Castelhanos--, os 18 professores ficam instalados nas próprias
escolas, que têm duas salas de aula, quarto, cozinha e banheiro.
A estrutura atende a cerca de 200 alunos dos ensinos
fundamental e médio.
Limitados aos livros e quadros negros, os educadores
enfrentam o desafio de ensinar várias disciplinas dentro de uma mesma sala para
alunos de diferentes séries.
Há 13 anos, Neide de Souza, 58, desembarcou pela primeira
vez na ilha de Búzios, para alfabetizar uma turma na escola Porto do Meio.
Sofreu com as privações do que define como "ambiente
primitivo", mas a maior dificuldade foi a falta de interação com alunos e
moradores. "Não falavam comigo e eu não conseguia trabalhar."
Resultado: Neide cogitou abandonar a ilha logo no primeiro
ano letivo, porque chegara setembro e ninguém havia aprendido nada.
Antes de anunciar a decisão, durante um recreio, começou a
cantar a música "A Canoa Virou" para um cachorro que rondava a
escola.
As crianças viram a cena, ficaram curiosas e procuraram a
professora pela primeira vez com perguntas ao fim da aula.
"Queriam saber mais sobre a música. Percebi que haviam
gostado e não dormi naquela noite, preparando uma aula que envolvesse a
canção", afirmou Neide, enquanto servia a merenda na escola.
A tática deu certo e a professora começou a montar todo o
plano de aula em torno de temas locais e de interesse da comunidade. O
resultado foi que todos terminaram o ano sabendo ler e escrever.
"O que apresentava para eles não tinha qualquer
significado. Tive que reaprender a ensinar", disse.
O mesmo processo foi vivido neste ano pela professora de
português Silvania de Oliveira, 37. Recém-formada, ela ainda se adapta ao
trabalho na ilha de Búzios, que não tem internet nem praias.
Para ela, ainda é difícil não poder ir à farmácia ou ao
supermercado a qualquer hora.
Na comunidade de Praia Mansa trabalha Abiqueila Carvalho,
30. Formada em matemática, ela deixou os pais e a filha de 12 anos em Rondônia
para ensinar em duas escolas de Ilhabela.
No deslocamento entre uma e outra, precisa caminhar 2 km por
uma trilha, cruzar um rio e uma praia.
Para se adaptar à comunidade, Abiqueila lançou mão de um
hobby. A professora, que estuda música desde os oito anos, agora ensina
adolescentes a tocar flauta.
"Os alunos não estavam acostumados com a variedade de
ritmos, e muitas vezes estão influenciados por músicas que chegam por
turistas", disse.
RETORNOS
A Prefeitura de Ilhabela oferece um barco para levar os
professores para casa uma vez por mês, por três dias.
É a hora de ir ao banco, fazer compras e participar de
reuniões na Secretaria da Educação. O grupo que atua nas comunidades
tradicionais tem direito a adicional de 20% sobre o salário, que gira em torno
de R$ 2.200 para recém-contratados.
RICARDO HIAR
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM
ILHABELA
Caraguablog/JFPr
1 comentários:
Parabenizo a todas essas maravilhosas e humanas professoras por enfrentarem tamanhas privações,tendo como remuneração um salário e adicional ridículos, simplesmente para cumprir a nobre missão de ensinar.
Sou estudante de letras e funcionário público em Caraguá e confesso que para começar a cogitar a possibilidade de encarar tudo isso que elas fazem teria de haver uma remuneração acima de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Utopia? Talvez, porém meus sinceros pensamentos.
Mais uma vez parabéns a estas guerreiras!
jfulber@bol.com.br
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