Fonte: http://ronaldoluisbispo.blogspot.com.br/ |
Em maio de 2012, o Caraguablog publicou o texto abaixo,
dando alguma informação sobre quem foi Hans Staden, que empresta seu nome a uma
importante via pública de Ubatuba.
Por aquela época (meados de 1500), os
índios Tupinambás andavam por aqui – Caraguá, Ubatuba, São Sebastião, Ilhabela –
e seus domínios iam do Rio Juqueriquerê, no Bairro Porto Novo, em
Caraguatatuba, até o Estado do Espírito Santo, tendo em Ubatuba a sua sede.
Eram amigos dos franceses, em guerra contra os portugueses. Os domínios dos índios
Guaianases, por sua vez, protegidos
pelos lusitanos, iam do Juqueriquerê até a região de Santos.
Hoje, vendo o trabalho de Gerivaldo Neiva,
que fala sobre as práticas sexuais dos índios que habitavam este litoral,
achamos interessante reproduzir o texto do Caraguablog
e ainda incluir as novas informações a respeito da sexualidade indígena. É
interessante. Vale a pena conferir.
O
guerreiro alemão
Hans Staden foi um aventureiro alemão
que em 1550, depois de naufragar próximo de São Vicente, caiu prisioneiro dos
índios Tupinambás (Tamoios), temíveis guerreiros e injustamente considerados
canibais (comiam os inimigos em extravasão de ódio e não para saciar a fome),
que habitavam esta região.
Trazido a Ubatuba para ser devorado,
acabou lutando bravamente ao lado dos Tupinambás contra os Guaianases e tratado
como animal de estimação pelos seus captores, tendo inclusive mudado de
"dono".
Pediu ajuda a um navio português e a
outro francês, que a recusaram por não desejarem conflito com os índios. Foi,
enfim, resgatado por um navio corsário francês depois de mais de nove meses de
cativeiro.
Escreveu um livro a respeito. Sua
história foi tema de filme, em 1999, dirigido por Luiz Alberto Gal Pereira e
rodado em Ubatuba.
Sexo,
poligamia e homossexualidade entre os índios Tupinambás do século XV
por Gerivaldo Neiva
(www.jusbrasil.com.br)
O nosso amor a gente inventa
Pra se distrair
E quando acaba a gente pensa
Que ele nunca existiu
O nosso amor a gente inventa.
(Letra de Cazuza, João Rebouças e
Rogério Meanda)
No capítulo anterior, relatei sobre
como os índios Tupinambás do século XVI fabricavam uma bebida chamada cauim e
se embebedavam em grandes festas, que podia durar alguns dias.
Na introdução desse texto, observei:
“Os primeiros relatos sobre os povos indígenas que habitavam o território que
viria a se chamar Brasil, como não poderia deixar de ser, foram elaborados por
brancos invasores e colonizadores. Evidentemente que tais relatos são
carregados dos preconceitos e da poderosíssima moral católica que dominava a
Europa no século XVI. [...] Logo, a leitura desses clássicos precisa de aguçada
visão crítica, pois os olhos de quem escrevia sobre os índios que aqui
habitavam viam tudo sob a ótica e paradigmas da sua cultura europeia, de seus
costumes, crenças, religião, cultura etc. Um grande desconto, por assim dizer,
há de ser dado.”
Enfim, para se falar sobre sexo entre
os Tupinambás do século XVI, nosso olhar crítico precisa estar mais aguçado
ainda, vez que a moral católica e a doutrina do “pecado original” jamais
aceitariam como “natural” a nudez dos índios ou que praticassem a poligamia e
homossexualidade. Aliás, discutia-se até se os índios tinham alma! O desconto,
neste caso, portanto, há de ser bem mais generoso. As fontes são as mesmas:
Hans Staden (1557), Jean de Léry (1578) e Gabriel Soares de Sousa (1587).
A
poligamia
Segundo Hans Staden, no relato editado
na Europa em 1557, a maioria dos Tupinambás tinham apenas uma mulher, “mas
alguns dos chefes tem treze ou quatorze” e a primeira delas é como se fosse a
chefe entre elas. Ainda segundo Staden, “As mulheres se entendem bem entre si.
Entre os selvagens é comum que um homem dê a outro sua mulher de presente,
quando se cansa dela. Também acontece de um homem dar de presente a outro homem
uma filha ou irmã”. É como se as mulheres, portanto, fossem mero objeto de uso
e os homens fossem seus donos.” [1]
De acordo com outro visitante ilustre
dessas terras, poucos anos depois, Jean de Léry, “com relação ao casamento dos
nossos americanos (referindo-se aos Tupinambás), eles observam apenas três
graus de parentesco; ninguém toma por esposa a própria mãe, a irmã ou a filha,
mas o tio casa com a sobrinha e em todos os demais graus de parentesco não
existe impedimento”. Em seu relato, Léry afirma ter visto índios com oito
mulheres e demonstrou admiração pelo fato de viverem em harmonia e sem ciúmes,
ocupadas em tecer redes, limpar hortas e plantar raízes. Por fim, comparando
com o regime monogâmico da cultura católica europeia da época, Léry afirma que
se o homem europeu fosse se submeter a tal prática, melhor seria condená-lo às
galés “do que metê-lo no meio de tanta intriga e ciumeira”. Aqui, o europeu é
tão machista quanto o Tupinambá: o grave não era transformar a mulher em
objeto, mas a intriga e ciúme que o homem seria “vítima” com a posse de várias
mulheres.[2]
Muitos anos depois, em 1587, quando os
Tupinambás já tinham sofrido as influências e violências dos brancos invasores,
Gabriel Soares de Sousa, no Tratado Descritivo do Brasil, também relatou sobre
os costumes sexuais dos Tupinambás. Segundo este autor, os Tupinambás eram, de
fato, poligâmicos, e aquele que tivesse mais mulheres “se tem por mais amado e
estimado”. Da mesma forma que outros relataram, também Gabriel Soares de Sousa
confirma que a primeira mulher exercia um papel preponderante sobre as demais,
embora relate a existência de ciúmes da primeira, por ser geralmente a mais
velha. [3]
Em relato semelhante aos demais
autores pesquisados, Gabriel Soares de Sousa traz informações sobre o
comportamento muitas vezes violento dos homens em caso de traição das mulheres,
mas acrescenta a informação de que as próprias mulheres criavam a oportunidade
para que seus homens se deitassem com outras mulheres mais jovens: “Os machos
desses Tupinambás não são ciosos; e ainda que achem outrem com as mulheres, não
matam a ninguém por isso, e quando muito espancam as mulheres pelo caso. E as
que querem bem aos maridos, pelos contentarem, buscam-lhes moças com que eles
se desenfadem, as quais lhes levam à rede onde dormem, onde lhes pedem muito
que se queiram deitar com os maridos, e as peitam para isso; coisa que não faz
nenhuma nação de gente, senão esses bárbaros”. (op. Cit. P. 309).
Enfim, a síntese das três fontes
pesquisadas (Staden, Léry e Sousa) não deixam dúvidas sobre o comportamento
poligâmico dos Tupinambás, a prevalência da mulher mais velha sobre as mais
jovens, o ciúme do homem e, por fim, segundo a informação de Sousa, a própria
mulher mais velha buscando mulheres mais jovens para “desenfadarem” seus
machos.
A
homossexualidade e outras “luxúrias”
As informações que se seguem têm como
base apenas o relato de Gabriel Soares de Sousa. Os demais autores pesquisados
(Staden e Léry) não trazem essas informações acerca de outros costumes dos
Tupinambás, incluindo a homossexualidade.
Assim, por exemplo, segundo o referido
autor, os Tupinambás eram tão luxuriosos “que não há pecado de luxúria que não cometam”.
Seguindo neste festival de luxúrias, segundo Gabriel Soares de Sousa, desde
pouca idade os Tupinambás já tinha contato com mulheres mais velhas,
“desestimadas” pelos homens, que lhes ensinavam o que não sabiam e não lhes
deixavam de dia, nem de noite. Também diferente dos demais autores, Gabriel
Soares de Sousa relata a ocorrência de relações de incesto entre os Tupinambás,
além de relacionamento sexual com irmãs e tias.
Além disso, em relato único, este
autor traz a informação de que os Tupinambás, “não satisfeitos com o membro
genital como a natureza formou”, colocavam o pelo de um bicho peçonhento (uma
caranguejeira?) no pênis para torna-lo tão grosso e disforme, mesmo sofrendo
seis meses de dores, “que os não podem as mulheres esperar, nem sofrer.”
Com relação à homossexualidade, em
relato apenas encontrado em Gabriel Soares de Sousa, os Tupinambás são “muito
afeiçoados ao pecado nefando, entre os quais não se tem por afronta, e o que se
serve de macho, se tem por valente, e contam esta bestialidade por proeza; e
nas suas aldeias pelo sertão há alguns que tem tenda pública a quantos os
querem como mulheres públicas.” (op. Cit. P. 308). Não creio que precisa
traduzir “pecado nefando” no contexto apresentado, pois resta claro que um
índio se achava macho e se vangloriava por isso, enquanto outros se ofereciam,
em tendas, como mulheres públicas, ou seja, claramente este é o relato de
relações homossexuais.
Em vista disso tudo, nossos olhares
contemporâneos de igualdade de gênero, da conquista de direitos pelas mulheres,
da inscrição dessas conquistas em um Código Civil e em uma Constituição, não
podem compreender ou mesmo aceitar os costumes dos índios Tupinambás do século
XVI. Não se quer dizer, portanto, que estivessem certos ou errados, justos ou
injustos, legais ou ilegais, morais ou imorais etc, pois nossos paradigmas
atuais não se aplicam, assim como os paradigmas dos invasores, aos costumes de
um povo como os Tupinambás do século XVI.
O que se pretende com este breve
estudo, por fim, em tempos de hipocrisias e tentativas de moldar o
comportamento dos homens e mulheres através de normas impostas, validadas e
tornadas legais por mero formalismo, ou definidas como “naturais”, é apenas
registrar a curiosidade de uma pesquisa e fazer constar que os primeiros
relatos dos que invadiram e mataram os habitantes deste território, e continuam
fazendo, assim viram e disseram sobre este povo.
Finalmente, para os que defendem os
paradigmas e dogmas de suas crenças atuais – sejam católicos ou evangélicos - como
condições imprescindíveis à salvação e conquista do céu, é de se perguntar:
então, os Tupinambás, por tantos “pecados” cometidos – da embriaguez à
homossexualidade - estariam todos no inferno? Se sim, então não seriam filhos
de Deus? Se não, então viva a liberdade de todos os povos em todas as fases da
história da humanidade!
Gerivaldo
Neiva
- Juiz de Direito (Ba), membro da coordenação estadual da Associação Juízes
para a Democracia (AJD). membro da Comissão de Direitos Humanos da Associação
dos Magistrados Brasileiros (AMB) e Porta-Voz no Brasil do movimento Law
Enforcment Against Prohibition
Obras
consultadas:
[1] Staden, Hans. Duas viagens ao
Brasil. Porto Alegre: L&PM, 2008, p. 150.; [2] Léry, Jean de. Viagem a
Terra do Brasil. São Paulo: Livraria Martins, 1941. P. 202.; [3] Sousa, Gabriel
Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: Editora nacional;
Brasília: INL, 1987, p. 311.
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