segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Sexo, poligamia e homossexualidade entre os índios Tupinambás do século XV


Fonte: http://ronaldoluisbispo.blogspot.com.br/
Em maio de 2012, o Caraguablog publicou o texto abaixo, dando alguma informação sobre quem foi Hans Staden, que empresta seu nome a uma importante via pública de Ubatuba.

Por aquela época (meados de 1500), os índios Tupinambás andavam por aqui – Caraguá, Ubatuba, São Sebastião, Ilhabela – e seus domínios iam do Rio Juqueriquerê, no Bairro Porto Novo, em Caraguatatuba, até o Estado do Espírito Santo, tendo em Ubatuba a sua sede. Eram amigos dos franceses, em guerra contra os portugueses. Os domínios dos índios Guaianases, por sua vez, protegidos pelos lusitanos, iam do Juqueriquerê até a região de Santos.

Hoje, vendo o trabalho de Gerivaldo Neiva, que fala sobre as práticas sexuais dos índios que habitavam este litoral, achamos interessante reproduzir o texto do Caraguablog e ainda incluir as novas informações a respeito da sexualidade indígena. É interessante. Vale a pena conferir.

O guerreiro alemão

Hans Staden foi um aventureiro alemão que em 1550, depois de naufragar próximo de São Vicente, caiu prisioneiro dos índios Tupinambás (Tamoios), temíveis guerreiros e injustamente considerados canibais (comiam os inimigos em extravasão de ódio e não para saciar a fome), que habitavam esta região.

Trazido a Ubatuba para ser devorado, acabou lutando bravamente ao lado dos Tupinambás contra os Guaianases e tratado como animal de estimação pelos seus captores, tendo inclusive mudado de "dono".

Pediu ajuda a um navio português e a outro francês, que a recusaram por não desejarem conflito com os índios. Foi, enfim, resgatado por um navio corsário francês depois de mais de nove meses de cativeiro.

Escreveu um livro a respeito. Sua história foi tema de filme, em 1999, dirigido por Luiz Alberto Gal Pereira e rodado em Ubatuba.



Sexo, poligamia e homossexualidade entre os índios Tupinambás do século XV


por Gerivaldo Neiva (www.jusbrasil.com.br)
O nosso amor a gente inventa
Pra se distrair
E quando acaba a gente pensa
Que ele nunca existiu
O nosso amor a gente inventa.
(Letra de Cazuza, João Rebouças e Rogério Meanda)

No capítulo anterior, relatei sobre como os índios Tupinambás do século XVI fabricavam uma bebida chamada cauim e se embebedavam em grandes festas, que podia durar alguns dias.

Na introdução desse texto, observei: “Os primeiros relatos sobre os povos indígenas que habitavam o território que viria a se chamar Brasil, como não poderia deixar de ser, foram elaborados por brancos invasores e colonizadores. Evidentemente que tais relatos são carregados dos preconceitos e da poderosíssima moral católica que dominava a Europa no século XVI. [...] Logo, a leitura desses clássicos precisa de aguçada visão crítica, pois os olhos de quem escrevia sobre os índios que aqui habitavam viam tudo sob a ótica e paradigmas da sua cultura europeia, de seus costumes, crenças, religião, cultura etc. Um grande desconto, por assim dizer, há de ser dado.”

Enfim, para se falar sobre sexo entre os Tupinambás do século XVI, nosso olhar crítico precisa estar mais aguçado ainda, vez que a moral católica e a doutrina do “pecado original” jamais aceitariam como “natural” a nudez dos índios ou que praticassem a poligamia e homossexualidade. Aliás, discutia-se até se os índios tinham alma! O desconto, neste caso, portanto, há de ser bem mais generoso. As fontes são as mesmas: Hans Staden (1557), Jean de Léry (1578) e Gabriel Soares de Sousa (1587).

A poligamia

Segundo Hans Staden, no relato editado na Europa em 1557, a maioria dos Tupinambás tinham apenas uma mulher, “mas alguns dos chefes tem treze ou quatorze” e a primeira delas é como se fosse a chefe entre elas. Ainda segundo Staden, “As mulheres se entendem bem entre si. Entre os selvagens é comum que um homem dê a outro sua mulher de presente, quando se cansa dela. Também acontece de um homem dar de presente a outro homem uma filha ou irmã”. É como se as mulheres, portanto, fossem mero objeto de uso e os homens fossem seus donos.” [1]

De acordo com outro visitante ilustre dessas terras, poucos anos depois, Jean de Léry, “com relação ao casamento dos nossos americanos (referindo-se aos Tupinambás), eles observam apenas três graus de parentesco; ninguém toma por esposa a própria mãe, a irmã ou a filha, mas o tio casa com a sobrinha e em todos os demais graus de parentesco não existe impedimento”. Em seu relato, Léry afirma ter visto índios com oito mulheres e demonstrou admiração pelo fato de viverem em harmonia e sem ciúmes, ocupadas em tecer redes, limpar hortas e plantar raízes. Por fim, comparando com o regime monogâmico da cultura católica europeia da época, Léry afirma que se o homem europeu fosse se submeter a tal prática, melhor seria condená-lo às galés “do que metê-lo no meio de tanta intriga e ciumeira”. Aqui, o europeu é tão machista quanto o Tupinambá: o grave não era transformar a mulher em objeto, mas a intriga e ciúme que o homem seria “vítima” com a posse de várias mulheres.[2]

Muitos anos depois, em 1587, quando os Tupinambás já tinham sofrido as influências e violências dos brancos invasores, Gabriel Soares de Sousa, no Tratado Descritivo do Brasil, também relatou sobre os costumes sexuais dos Tupinambás. Segundo este autor, os Tupinambás eram, de fato, poligâmicos, e aquele que tivesse mais mulheres “se tem por mais amado e estimado”. Da mesma forma que outros relataram, também Gabriel Soares de Sousa confirma que a primeira mulher exercia um papel preponderante sobre as demais, embora relate a existência de ciúmes da primeira, por ser geralmente a mais velha. [3]

Em relato semelhante aos demais autores pesquisados, Gabriel Soares de Sousa traz informações sobre o comportamento muitas vezes violento dos homens em caso de traição das mulheres, mas acrescenta a informação de que as próprias mulheres criavam a oportunidade para que seus homens se deitassem com outras mulheres mais jovens: “Os machos desses Tupinambás não são ciosos; e ainda que achem outrem com as mulheres, não matam a ninguém por isso, e quando muito espancam as mulheres pelo caso. E as que querem bem aos maridos, pelos contentarem, buscam-lhes moças com que eles se desenfadem, as quais lhes levam à rede onde dormem, onde lhes pedem muito que se queiram deitar com os maridos, e as peitam para isso; coisa que não faz nenhuma nação de gente, senão esses bárbaros”. (op. Cit. P. 309).

Enfim, a síntese das três fontes pesquisadas (Staden, Léry e Sousa) não deixam dúvidas sobre o comportamento poligâmico dos Tupinambás, a prevalência da mulher mais velha sobre as mais jovens, o ciúme do homem e, por fim, segundo a informação de Sousa, a própria mulher mais velha buscando mulheres mais jovens para “desenfadarem” seus machos.

A homossexualidade e outras “luxúrias”

As informações que se seguem têm como base apenas o relato de Gabriel Soares de Sousa. Os demais autores pesquisados (Staden e Léry) não trazem essas informações acerca de outros costumes dos Tupinambás, incluindo a homossexualidade.

Assim, por exemplo, segundo o referido autor, os Tupinambás eram tão luxuriosos “que não há pecado de luxúria que não cometam”. Seguindo neste festival de luxúrias, segundo Gabriel Soares de Sousa, desde pouca idade os Tupinambás já tinha contato com mulheres mais velhas, “desestimadas” pelos homens, que lhes ensinavam o que não sabiam e não lhes deixavam de dia, nem de noite. Também diferente dos demais autores, Gabriel Soares de Sousa relata a ocorrência de relações de incesto entre os Tupinambás, além de relacionamento sexual com irmãs e tias.

Além disso, em relato único, este autor traz a informação de que os Tupinambás, “não satisfeitos com o membro genital como a natureza formou”, colocavam o pelo de um bicho peçonhento (uma caranguejeira?) no pênis para torna-lo tão grosso e disforme, mesmo sofrendo seis meses de dores, “que os não podem as mulheres esperar, nem sofrer.”

Com relação à homossexualidade, em relato apenas encontrado em Gabriel Soares de Sousa, os Tupinambás são “muito afeiçoados ao pecado nefando, entre os quais não se tem por afronta, e o que se serve de macho, se tem por valente, e contam esta bestialidade por proeza; e nas suas aldeias pelo sertão há alguns que tem tenda pública a quantos os querem como mulheres públicas.” (op. Cit. P. 308). Não creio que precisa traduzir “pecado nefando” no contexto apresentado, pois resta claro que um índio se achava macho e se vangloriava por isso, enquanto outros se ofereciam, em tendas, como mulheres públicas, ou seja, claramente este é o relato de relações homossexuais.

Em vista disso tudo, nossos olhares contemporâneos de igualdade de gênero, da conquista de direitos pelas mulheres, da inscrição dessas conquistas em um Código Civil e em uma Constituição, não podem compreender ou mesmo aceitar os costumes dos índios Tupinambás do século XVI. Não se quer dizer, portanto, que estivessem certos ou errados, justos ou injustos, legais ou ilegais, morais ou imorais etc, pois nossos paradigmas atuais não se aplicam, assim como os paradigmas dos invasores, aos costumes de um povo como os Tupinambás do século XVI.

O que se pretende com este breve estudo, por fim, em tempos de hipocrisias e tentativas de moldar o comportamento dos homens e mulheres através de normas impostas, validadas e tornadas legais por mero formalismo, ou definidas como “naturais”, é apenas registrar a curiosidade de uma pesquisa e fazer constar que os primeiros relatos dos que invadiram e mataram os habitantes deste território, e continuam fazendo, assim viram e disseram sobre este povo.

Finalmente, para os que defendem os paradigmas e dogmas de suas crenças atuais – sejam católicos ou evangélicos - como condições imprescindíveis à salvação e conquista do céu, é de se perguntar: então, os Tupinambás, por tantos “pecados” cometidos – da embriaguez à homossexualidade - estariam todos no inferno? Se sim, então não seriam filhos de Deus? Se não, então viva a liberdade de todos os povos em todas as fases da história da humanidade!

Gerivaldo Neiva - Juiz de Direito (Ba), membro da coordenação estadual da Associação Juízes para a Democracia (AJD). membro da Comissão de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e Porta-Voz no Brasil do movimento Law Enforcment Against Prohibition

Obras consultadas:
[1] Staden, Hans. Duas viagens ao Brasil. Porto Alegre: L&PM, 2008, p. 150.; [2] Léry, Jean de. Viagem a Terra do Brasil. São Paulo: Livraria Martins, 1941. P. 202.; [3] Sousa, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: Editora nacional; Brasília: INL, 1987, p. 311.

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