Por Gabriel Kogan
Enquanto nos aproximamos do
colapso total no abastecimento em São Paulo, políticos tentam desesperadamente
culpar a natureza: “é por causa da falta de chuva”. Nada disso. O problema é
político mesmo.
Secas são periódicas e
perfeitamente previsíveis a partir de estatísticas das bases de dados
históricas. Um sistema robusto (e decente) de abastecimento deve ser concebido
para aguentar anos seguidos de chuvas abaixo da média. Pesquisadores sobre
clima como o professor Antonio Carlos Zuffo, da Unicamp, apresentam dados
convincentes da sazonalidade de secas como essa a cada 35 a 50 anos – e isso
não tem nada a ver com aquecimento global. Planejar sistemas para eventos que
aconteçam nesses intervalos é mais do que plausível, é obrigatório em uma
metrópole como a nossa.
A Sabesp foi parcialmente
privatizada nas últimas décadas. Hoje, mais de 49% do capital está nas mãos de
poucos, inclusive na Bolsa de Nova York. O governo do Estado tem feito
políticas que atendem aos interesses desses acionistas e não da população.
Assim, os lucros sugaram a capacidade de novos investimentos. Só em 2013 foram
R$ 1,6 bilhão que saíram dos consumidores para remunerar os donos da água da
cidade.
Mesmo nos países mais
capitalistas do mundo, como a Holanda, as empresas de abastecimento são
públicas. Por quê? A água é estratégica demais para ser objeto de especulação
financeira. A incompetência e ganância na gestão hídrica nos últimos 20 anos no
Estado de São Paulo tem agora dramáticas consequências para a economia da
metrópole. Sem água, a economia capenga.
São Paulo negligencia
sistematicamente o gerenciamento hídrico. Já estava instalada, muito antes e
sem alardes, por exemplo, a crise do saneamento. Os rios são poluídos por uma
razão simples: o esgoto não é recolhido e tratado, como inclusive exigiria a
legislação. O Estado ignorou a lei e não classificou o rio Tietê. Supérfluo ou
caro demais?
Lugares como Singapura
fecharam o sistema de esgoto e abastecimento. Assim, toda a água consumida é
recolhida pela rede pública, tratada com alta tecnologia e devolvida para a
torneira. Saneamento e abastecimento são, portanto, dois lados da mesma moeda.
Já o governo federal fingiu
que o colapso da maior cidade do país não era um problema relevante. A ANA
(Agência Nacional de Águas), fazendo vistas grossas, se uniu à incompetência e
descaso do governador. Nada foi feito, nem mesmo mudanças institucionais para
pressionar outras instâncias.
Há exatamente um ano, eu
publicava na seção Tendências e Debates, da Folha, um texto chamando a atenção
para a seriedade da crise. Um ano! Eu fico imaginando quanto tempo o governador
e os diretores da Sabesp tiveram para saber da possibilidade concreta do
desastre. Muito mais do que eu, com certeza.
Em um ano, seriam possíveis
investimentos que, se não revertessem, amenizassem muito o desabastecimento:
cavar poços públicos e até construir (em regime de urgência) estações de
tratamento para usar a água dos braços poluídos das represas. Em um ano, as
gigantescas perdas do sistema podiam ter sido reduzidas com investimentos
massivos.
Nada foi feito. As eleições
estavam aí. O mais conveniente era não chamar a atenção para o problema. A
mídia colaborou, se calando convenientemente até o dia seguinte do primeiro
turno. Todos foram reeleitos; isso que importava.
O impacto econômico da crise
hídrica para a cidade provavelmente superará o capital que teria sido
necessário para fazer sistemas de abastecimento e saneamento de alta tecnologia
e robustos, para despoluir e reurbanizar todos os rios, para devolver às águas à
cidade – não mais como problemas urbanos, mas como virtudes, organizando
lugares de encontros, espaços públicos.
Agora, as convulsões sociais,
talvez tardias, são inevitáveis. E nelas não faltarão policiais armados, balas
de borracha, spray de pimenta e, certamente, os novíssimos canhões d”água para
combater esses “vândalos” – desta e: vez, também sedentos. Afinal, a ordem precisa
imperar frente ao caos, não é mesmo?
O autor é Gabriel Kogan,
mestre em
“Urban Water Studies” pela TU Delft, da Holanda.
fonte: www.abjornalistas.org
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