Os corpos sujos (ou seriam esfumaçados?), as roupas
molambentas, a condição de aleijada da personagem-título, sem as duas pernas, e
as presepadas de seu companheiro e assistente Palheta, corruptela de palhaço
que é, enfim, são alguns indícios do pacote de significações que ganham outros
nexos no semicírculo que ocupa o calçadão. O espectador é como que corrompido
pela livre associação com os conflitos do espaço público na sociedade
brasileira, como a execução de mendigos, a disseminação das cracolândias e a
repressão aos artistas de rua dentro do processo de higienização como o
perpetrado contra cortiços de São Paulo no início do século 20 em nome da
urbanização, prima da segregação que ainda viceja.
A abordagem sociológica que realçamos diante de um espetáculo francamente popular em seus códigos, a começar pela remissão ao circo, corresponde à qualidade da proposta artística do núcleo de Criciúma. A dupla Reveraldo Joaquim e Yonara Marques (quem os batizou assim foram visionários!) redimensionam o caráter mais cruel dos palhaços sem repisar a interação autoritária da qual alguns dos seus pares se revestem. O lirismo e a contundência crítica estão superpostos no mural de imagens que o espetáculo suscita na praça aberta. Gags, corpos, língua inventada, figurinos esfarrapados, carroça estrambólica, são muitos os recursos operados com domínio de timming na troca com a roda. Os atores-jogadores são metamorfoses ambulantes dotadas de muita energia e coragem para lidar com tais conteúdos, radares sócio-espaciais captando os mínimos detalhes no raio de 360 graus.
A abordagem sociológica que realçamos diante de um espetáculo francamente popular em seus códigos, a começar pela remissão ao circo, corresponde à qualidade da proposta artística do núcleo de Criciúma. A dupla Reveraldo Joaquim e Yonara Marques (quem os batizou assim foram visionários!) redimensionam o caráter mais cruel dos palhaços sem repisar a interação autoritária da qual alguns dos seus pares se revestem. O lirismo e a contundência crítica estão superpostos no mural de imagens que o espetáculo suscita na praça aberta. Gags, corpos, língua inventada, figurinos esfarrapados, carroça estrambólica, são muitos os recursos operados com domínio de timming na troca com a roda. Os atores-jogadores são metamorfoses ambulantes dotadas de muita energia e coragem para lidar com tais conteúdos, radares sócio-espaciais captando os mínimos detalhes no raio de 360 graus.
Na medida em que Júlia e Palheta evoluem para o número em
que ela vai dançar – “a dança da aleijada!”, propaga ele, alfinetando o
politicamente correto –, a alegoria desses corpos disformes e desagradáveis,
seus penduricalhos içados do lixão, sua descartabilidade repugnante, essas
percepções vão sendo assimiladas pelo público sem repugnância, tal um exercício
de distanciamento em que a consciência crítica pode transitar em paralelo com o
humor desbragado e cujo poder de corrosão pode superar a retórica, por que não?
Conhecido de criações com a Companhia Carona de Teatro, de
Blumenau (SC), que inclusive integra o Fentepp com outra montagem de rua,
Passarópolis, o diretor Pepe Sedrez respeita a reinação dos comediantes e
parece dosar com eles essa capacidade de falar sobre o não dito, de abrir
frestas para que o espectador entreleia seus próprios sentidos como aqueles que
compartilhamos nestas linhas.
Sob o ponto de vista da linguagem, é sensacional a virada
que a dramaturgia do catarinense Gregory Haertel dá quando o desfecho se
aproxima e as convenções da representação são implodidas de vez. Ao “revelar”
as razões que o movem enquanto artistas de circo, a trupe dessa história faz
jus ao nome do grupo que lhe dá vida, o Revirado. O espetáculo reafirma a
criticidade como manifestação de cidadania, semeando a discórdia para que cada
um dos seus interlocutores leve para casa a reflexão que rima com diversão sem
que uma exclua a outra. A alienação que poderia ser suscitada na fuleiragem
desses desvalidos é devolvida feito um bumerangue.
Critica da peça JULIA, por Valmir Santos.
Fonte: Assessoria de Imprensa
0 comentários:
Postar um comentário