Jornal Imprensa Livre mostra
que a falta de saneamento básico no Litoral Norte está causando a morte dos
rios locais
Saulo Gil/Jornal Imprensa
Livre - 19/5/2012
Enquanto na orla do Litoral
Norte “autoridades e ambientalistas” fomentam o debate em torno de assuntos
como Código Florestal, ampliação do porto, contornos da Tamoios e até o já
questionado aquecimento global, um mal “silencioso” vai tomando conta da
região. De acordo com levantamentos da Cetesb, dos mais de 160 rios e córregos
monitorados pela companhia quase a metade sofre com a presença excessiva de
coliformes fecais em alguma medição do ano.
Ainda segundo os técnicos
paulistas, o principal motivo pela contaminação é o despejo de esgoto doméstico
nesses cursos d’água, seja diretamente, ou por meio do lençol freático. A falta
de saneamento básico, principalmente nas comunidades instaladas nos sertões e
nas periferias do Litoral Norte, está causando uma verdadeira morte dos rios
locais.
Para a Cetesb, a atual
situação é reflexo de um índice baixo de coleta e tratamento oficial do esgoto.
Juntas, as quatro cidades da região coletam e tratam menos de 30% de todo esgoto
doméstico produzido pelos quase 300 mil moradores da região. Além disso, essa
carga fica ainda maior durante o verão, quando os turistas lotam os municípios
e deixam por aqui suas necessidades fisiológicas.
Mas não são necessários todos
esses dados da Cetesb, para que se desconfie que a poluição dos nossos rios é
um fato real e crescente. Em cada região, de cada um dos quatro municípios, a
população conhece alguma história que comprove tal degradação.
A transformação urbana, o
crescimento populacional e a ocupação irregular trouxeram uma mudança brusca
para os moradores caiçaras e mais antigos, principalmente, no que se refere à
degradação da natureza e, consequentemente, das águas naturais. É o caso do Rio
Acaraú em Ubatuba, que se no passado já foi utilizado como local para banho e
lazer, hoje é um rio “morto” e um dos principais responsáveis por carregar a
poluição fecal até a baia do Itaguá, tornando também a praia imprópria.
“A mudança foi até que rápida
se formos pensar que há algum tempo o pessoal pescava e até navegava com canoas
pelo Acaraú. Hoje é um rio completamente diferente. Poluído, mal cheiroso e
assoreado. Mas acho que o pior mesmo é ele estar esquecido. Não existe um
trabalho para cuidar do rio. Quando tem uma chuva mais forte os galhos caem
sobre a água e acabam prendendo os objetos. Nesses dias desceu um sofá inteiro
pelo rio e quase foi parar no mar”, conta o morador do Itaguá Beto Silva,
ressaltando que as autoridades, além de não cuidarem da parte de saneamento,
parecem despreocupadas com as situações dos rios.
“O pior é que quando alguém
resolve tomar uma atitude para retirar os galhos e cuidar do rio aparece um
monte de gente dizendo que não pode. O que não pode é ficar jogando esgoto,
sofá, pneu. Isso sim deveria ser combatido”, completa Beto, indignado.
Essa não é uma realidade
apenas do Acaraú, em Ubatuba. Segundo a Cetesb cerca de 10 grandes rios da
região apresentam média de coliformes fecais acima do permitido para banho
humano. Entre eles estão: Mococa, Nossa Senhora da Ajuda, Pereque-Mirim
(Ubatuba), Tavares, Itamambuca, Una e Santo Antônio.
Além desse grupo que já sofre
com uma poluição fecal crônica, outros importantes cursos d’água do Litoral
Norte também estão em situação de alerta. Ocorre que o abastecimento de água
das quatro cidades é totalmente contemplado por recursos próprios da região. Ou
seja, a água fornecida pela Sabesp aos moradores de São Sebastião,
Caraguatatuba, Ubatuba e Ilhabela é captada em rios da região.
E é por isso que o sinal de
alerta sobre a poluição dos rios não fica apenas restrito à balneabilidade. Em
Caraguatatuba, por exemplo, a Cetesb constatou em uma das medições feitas no
ano passado uma piora na qualidade de água do Rio Claro, justamente no ponto
onde o recurso é captado pela Sabesp para o abastecimento da população local.
Se para o fornecimento
oficial de água, a poluição dos Rios gera problemas e maior dificuldade de
tratamento, a situação é ainda pior para os milhares de cidadãos da região que
residem em áreas irregulares. Nessas regiões sem regularização fundiária, a
Sabesp se diz impedida legalmente de atuar, o que acaba obrigando a população a
optar pelos diversos tipos de ligação clandestina.
Em recente matéria publicada
pelo Imprensa Livre, a reportagem constatou uma situação de puro improviso. No
bairro do Sesmaria, periferia ubatubense, dezenas de pequenos canos foram
instalados em um curso d’água que serve de fonte para o abastecimento de
diversas famílias do bairro.
Para os moradores, a
clandestinidade se torna o único modo de sobrevivência em meio à ausência dos
poderes públicos. “A gente tem que viver de algum jeito. Eu não entendo muito
essa gente que fala que não pode ter água e luz nesse bairro, porque é para
evitar o pessoal de vir morar aqui. Mas a verdade é que o bairro vai aumentando
cada dia mais e todo mundo precisa de água”, diz a dona de casa Rosely Silva,
defendendo e dando orientações sobre a captação clandestina.
“E é o seguinte, não adianta
ser um cano curto, pois tem que colocar ele bem lá em cima perto da nascente.
Tem de ser assim, pois se coloca mais para baixo, corre o risco da água já
estar contaminada pelo lixo e esgoto de outras casas. Mesmo lá em cima a gente
tem problema, recentemente notamos alguma coisa estranha na água e quando fomos
ver tinha um cachorro morto bem perto da nascente”, contou a moradora do
Sesmaria.
O problema se torna ainda
mais grave, quando se conhece o número de famílias que vive como dona Rosely.
Só em Ubatuba, a prefeitura estima que são quase 10 mil casas em situação de
irregularidade fundiária. O montante representa quase a metade do número de
famílias que vive na cidade. Ou seja, mais de 30 mil ubatubenses estão
impedidos de receber o atendimento oficial de saneamento básico e, muitas
vezes, também o abastecimento de água.
Nos municípios vizinhos, a
realidade não é diferente. Milhares de pessoas moram e sobrevivem de forma
clandestina nos diversos sertões do Litoral Norte. Segundo a Cetesb, esse
cenário de impedimento legal de atuação dos órgãos oficias e de aumento
populacional nas periferias da região gera cada vez mais riscos de degradação dos
recursos hídricos do Litoral Norte, desde o menor dos córregos até a maior das
praias.
Enquanto prefeituras, Sabesp
e Governo do Estado se escoram em leis ambientais para não investir nos sertões
da região, Ongs e associações tentam minimizar os danos ambientais por meio da
mobilização e conscientização popular.
Ainda na cidade de Ubatuba,
projetos como Cuidágua Indaiá e Itaguá Azul tentam levar à população a
importância dos recursos hídricos e de sua preservação. No entanto, são ações
pontuais e que sem a atuação dos poderes públicos acabam se restringindo a
locais específicos e não trazem uma perspectiva de mudança da situação geral.
E é por toda essa realidade
relatada, que esse texto pode ser concluído com o mesmo alerta do título.
Atenção autoridades e ambientalistas: a vida dos nossos rios está em risco!
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