Fundação de Caraguatatuba - Desenho de Olga Duarte Nóbrega |
Reproduzimos aqui para conhecimento de
nossos leitores a crônica “Caraguá era assim”, de autoria do professor Percival
Bento Rangel, estudioso da formação social do Litoral Norte/SP.
A matéria foi publicada na Revista da
Cidade/Caraguá nº 25, edição de fevereiro/março de 2012, editada pelo
jornalista Roberto Espíndola.
A descrição mostra uma Caraguatatuba profusa
de calor humano, de um bom tempo que não volta mais...
Veja:
Nostalgia: Caraguá era assim
Uma crônica da vida da cidade
no século passado
*Percival Bento Rangel
Ai que saudades que eu tenho / Da nossa Caraguá
antiga / De toda uma gente amiga / De um tempo que não volta mais
Os dias eram tranqüilos. As
noites especialmente belas. Quando o bom tempo permitia, era fantástico observar
o manto estrelado e, na lua cheia, a claridade beijava toda a cidade, que não
possuía edificações de porte.
Quem morava no perímetro
urbano deliciava-se com o doce silêncio das noites, quando ainda era possível
perceber o barulho do mar e ouvir as badaladas do sino da Igreja Matriz. Da
cama ouvia-se o coaxar dos sapos e o “criquilar” dos grilos, entremeados pelos
sons das corujas e suindaras (estas associadas a maus acontecimentos).
Vista Panorâmica Alto da Serra |
A TV ainda não fazia parte do
cotidiano caiçara. Os jornais já aqui chegavam para algumas pessoas: O Estado
de São Paulo, Diário de São Paulo, Correio Paulistano, entre eles. A Rádio Nacional
do Rio de Janeiro era a emissora mais ouvida, principalmente pelos programas
musicais. Francisco Alves, Emilinha Borba, Marlene, Cauby Peixoto, Nélson
Gonçalves, entre outros.
Pelos rádios a válvulas,
muito mais potentes que os modernos, a população recebia as informações do que
ocorria pelo país e pelo mundo, através do “Repórter Esso” na voz de Heron Domingues.
O futebol representava o “nacionalismo caiçara”. Todos iam ao campo do XV aos
domingos, que era onde hoje está a Praça Diógenes Ribeiro de Lima e, que
posteriormente, transferido para o Bairro do Tatu onde se encontra, graças a uma
doação da Prefeitura da cidade.
Praça Cândido Mota |
O XV tinha o maior esquadrão da
sua história, onde desfilavam pelo gramado quinzista bons de bola, como
Carolino Garrido, Pancho, Ciro, Didi. O maior adversário do XV era a equipe de
São Sebastião. Quando da realização dos jogos, fosse aqui ou na cidade vizinha,
os torcedores mais fortes e bons de briga eram convocados a acompanhar a
delegação. Brigas históricas foram registradas.
Nessa época surgiram o
basquetebol e o futebol de salão (atual futsal) graças à inauguração do
primeiro ginásio estadual do Litoral Norte. Uma quadra improvisada, de terra
batida, foi construída na escola onde hoje funciona o museu, na Praça Cândido
Mota. Em determinado período o PSP (Partido Social Progressista), do Adhemar de
Barros, dominou a política local através do seu representante Diógenes Ribeiro
de Lima, que possuía uma residência de verão em nossa cidade.
Cruzamento da rua Dr. Altino Arantes com a rua Santa Cruz |
Em meados da década de 50, o
então governador Jânio Quadros visitou a Ilhabela e encantou-se com a esposa de
um político local. Jânio, mulherengo pela própria natureza, começou a fazer muitas
visitas à ilha. Como a estrada era precária, sujeita constantemente a
interdições, tomou uma providência urgente e, como prêmio, tivemos o asfaltamento
da Rodovia dos Tamoios e a construção da Ponte sobre o Rio Juqueriquerê.
A região onde fica o bairro do
Benfica e o Estrela D’Alva era praticamente desabitada e repleta de goiabeiras.
Na época da produção dessas frutas, pessoas iam com cestas colher as goiabas
para fazerem goiabada cascão.
O carnaval de rua surgiu com
blocos que desfilavam pela cidade em direção ao mar, onde eram desfeitos. Essa atividade
carnavalesca foi criada por estudantes de São José dos Campos, com a efetiva participação
da juventude local. Havia bailes que representavam um grande acontecimento social
e, no carnaval, eram realizados vários bailes em ambientes fechados, onde o
lança perfume corria solto, sem proibições. Nena, Pedrina Carvalho, Maricota,
Hilda, entre outras jovens, eram os bibelôs da época, com presença obrigatória
nas atividades sociais e esportivas.
Vista Panorâmica Morro Santo Antônio |
A cidade recebia muita gente
nas férias de julho, quando a juventude local e turista se juntava para a
prática de esportes na areia da praia, voleibol e futebol. O Bar do Baiano
(João Arthur de Souza) era o ponto de encontro dos esportistas para a discussão
sobre futebol. São-Paulino apaixonado, sofria com a má fase do time. Era também
um ponto de fofocas.
Devido ao rígido código moral
da época o sexo era tabu. Uma ou duas mulheres eram as prostitutas oficiais e,
por lógica, muito procuradas. Alguns jovens da cidade tinham por hábito seguir
os casais que procuravam algum ponto ermo, para viver seus momentos de amor,
esses jovens assistiam essas cenas na tocaia, buscando a prática do sexo
solitário.
O comércio era rudimentar. Poucos
armazéns de secos e molhados ofereciam vasta gama de produtos. Cereais,
enlatados, massas, fumo de rolo, arame, enxadas, pás, querosene... A maioria da
população dos bairros e parte da zona urbana ainda usava a lamparina para a
iluminação noturna. O famoso penico (vaso noturno), era um instrumento
importante na maioria das casas.
Os padeiros e leiteiros
deixavam seus produtos na porta das residências pela manhã e, para espanto das
pessoas da nossa época, ninguém os roubavam. Sem se preocupar com o termo ECOLOGIA,
nos armazéns, os produtos, principalmente cereais, açúcar e macarrão, eram vendidos
por quilo, embalados em folhas ou sacos papel. Os consumidores da boa cachaça eram
os grandes privilegiados, Ilhabela era a maior produtora da região, Ubatuba
também produzia boas cachaças.
Os policiais destacados para nossa
cidade tinham como principal tarefa prender alguns bêbados que aprontavam pelas
ruas e no dia seguinte eram soltos. O famoso Frei Pacífico Wagner tentava domar
os pecadores, organizando cerimônias e atividades religiosas. Trazia para a
Igreja grandes pecadores e notáveis picaretas da época. Às vezes os levava em
romaria até Aparecida do Norte, para purificar suas almas pecaminosas.
Todos os anos, no mês de junho,
havia a tradicional quermesse na Praça Cândido Mota que ainda não era urbanizada,
com barracas cobertas de sapé, onde diversos jogos eram oferecidos. Havia
também barracas com guloseimas e o tradicional quentão. Meses antes da festa, a
igreja nomeava os festeiros que eram encarregados de organizar e financiar o
evento.
Havia grande rivalidade entre
as igrejas. Católicos, a grande maioria, criticavam os crentes e os espíritas, que
eram considerados por eles agentes do demônio. O preconceito racial era
latente. Pobre da mulher que namorasse um negro: era rejeitada pela maioria dos
homens.
Para finalizar, o pescado era
abundante. Camarão era tirado do mar, desde a praia do Camaroeiro até a Barra
do Juqueriquerê com um simples puçá. Muitas pessoas ainda tinham seus quintais,
onde plantavam hortas e o povo não passava fome.
Mas, para tristeza geral, apesar
do tranqüilo estilo de vida, a saúde da população era precária. Os médicos eram
raros, depois apareceram os primeiros dentistas e a estimativa de vida era de 40
a 50 anos. Com estes dados dá para se ter uma idéia comparativa entre aqueles tempos
e os dias de hoje.
* Percival Bento Rangel é professor,
historiador
e estudioso da
formação social do Litoral Norte/SP
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