Bom humor, tranquilidade e
conhecimento do mar foi a trinca que manteve o velejador Antonio Roberto Neves,
66, de Ilhabela, consciente para conseguir, junto com outros cinco náufragos,
sobreviver à 36 horas à deriva em alto mar em um bote salva-vidas a mais de 25
km do continente.
O grupo foi vítima de um
acidente com o seu veleiro por volta das 23h do dia 27 enquanto participavam de
uma regata que ia do Recife a Fernando de Noronha, em Pernambuco. Um problema
na ligação entre a estrutura do casco fez com que o barco capotasse e
permanecesse virado com o casco para cima.
"Eu estava dormindo
quando o acidente aconteceu. Havia três pessoas na parte de cima e outras três,
inclusive eu, no interior do veleiro. Quando capotamos, a embarcação virou todo
mundo que estava comigo foi jogado para todos os lados. Com a água entrando,
aproveitamos uma bolsa de ar de mais ou menos 30 centímetros, para tomar fôlego
e sair do interior do veleiro", conta.
Sobre o momento, considerado
o mais tenso do acidente para o ilhabelense, Neves relata uma cena digna de
filmes de naufrágio. Com apenas a lanterna que conseguiu resgatar, o velejador
teve que mergulhar entre malas, isopor, coletes e pedaços cortantes da retranca
da vela (nome dado a base do mastro), que obstruíam a única passagem para fora
do local.
"Tudo o que flutuava
também ia para a porta, tive que nadar tirando essas coisas da frente e tomando
cuidado para não me machucar. Precisei engolir alguns goles de água com
gasolina (risos) até conseguir chegar na superfície", afirma.
Projetado para não afundar, o
casco da embarcação servia de boia onde o grupo tentava se equilibrar entre as
ondas que alcançavam os três metros de altura. O silicone aplicado antes da
prova para diminuir o atrito da embarcação com a água deixava o casco escorregadio
tornando quase impossível a permanência sobre a embarcação.
A estratégia do grupo era de
esperar o dia amanhecer para mergulhar novamente até o interior do veleiro em
busca do bote salva-vidas, sinalizador e outros mantimentos que poderiam estar
ainda no local.
"O que aconteceu é que o
bote acabou emergindo do nosso lado por volta de umas 2h. Depois de todo mundo
ter entrado, amarramos à embarcação para esperar que o dia amanhecesse. Mas
depois de uma onda, o cabo se soltou e, aos poucos fomos nos distanciando do
veleiro. Tínhamos pouca água, que tivemos que racionalizar. Tudo que levamos
ficou no veleiro: bússola, sinalizador, mantimentos", lembra.
Deriva
A partir de então, os seis
vagavam sem rumo em mar aberto. Com quase zero de mantimentos e apenas a roupa
do corpo, o bom humor foi a fórmula encontrada pelo grupo para resistir à
tentação de desesperar-se com a condição de náufragos.
"Foi assim que a gente
encarou. Se alguém reclamava da fome, por exemplo, lembrávamos que, em greve de
fome, algumas pessoas demoravam mais de 30 dias até morrer e que teríamos
bastante tempo ainda. Fomos mantendo o humor e afastando o desespero, já que
não adianta nada se desesperar em uma situação como essa", afirma.
Após cerca de 35 horas dentro
do bote e de passarem desapercebidos por duas embarcações, foi um navio
petroleiro de bandeira libanesa, mas tripulação russa, que avistou o grupo de
náufragos. Resgatados, os seis foram acolhidos, alimentados e ganharam roupas
limpas.
"Foram muito cordiais
com a gente. Conseguimos ligar para nossas famílias e tranquilizar o pessoal
por lá. Eles deram uma cerveja para quem quisesse beber e mudaram sua rota, que
ia para Bahamas, para nos deixar em Natal. Fomos resgatados às 9h e chegamos a
Natal às 18h", afirma.
Experiência
Cético ao ponto de não fazer
quórum a uma tentativa de oração enquanto estava à deriva no bote, Neves se
apega ao preparo do grupo quando explica como conseguiu fazer parte dos 38% de
pessoas que sobrevivem para contar história de um naufrágio semelhante ao que
vivenciou.
"Esse índice eu fui
descobrir depois, portanto, não aconselho a experiência", brinca. "A
experiência que eu levo é de me preparar ainda mais para a próxima disputa. No
mar, em fração de segundos você está literalmente à deriva", completa.
João Pedro Teles
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