segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Bom humor foi arma de náufrago ilhabelense para superar 36 horas à deriva no mar

Bom humor, tranquilidade e conhecimento do mar foi a trinca que manteve o velejador Antonio Roberto Neves, 66, de Ilhabela, consciente para conseguir, junto com outros cinco náufragos, sobreviver à 36 horas à deriva em alto mar em um bote salva-vidas a mais de 25 km do continente.

O grupo foi vítima de um acidente com o seu veleiro por volta das 23h do dia 27 enquanto participavam de uma regata que ia do Recife a Fernando de Noronha, em Pernambuco. Um problema na ligação entre a estrutura do casco fez com que o barco capotasse e permanecesse virado com o casco para cima.
"Eu estava dormindo quando o acidente aconteceu. Havia três pessoas na parte de cima e outras três, inclusive eu, no interior do veleiro. Quando capotamos, a embarcação virou todo mundo que estava comigo foi jogado para todos os lados. Com a água entrando, aproveitamos uma bolsa de ar de mais ou menos 30 centímetros, para tomar fôlego e sair do interior do veleiro", conta.

Sobre o momento, considerado o mais tenso do acidente para o ilhabelense, Neves relata uma cena digna de filmes de naufrágio. Com apenas a lanterna que conseguiu resgatar, o velejador teve que mergulhar entre malas, isopor, coletes e pedaços cortantes da retranca da vela (nome dado a base do mastro), que obstruíam a única passagem para fora do local.
"Tudo o que flutuava também ia para a porta, tive que nadar tirando essas coisas da frente e tomando cuidado para não me machucar. Precisei engolir alguns goles de água com gasolina (risos) até conseguir chegar na superfície", afirma.

Projetado para não afundar, o casco da embarcação servia de boia onde o grupo tentava se equilibrar entre as ondas que alcançavam os três metros de altura. O silicone aplicado antes da prova para diminuir o atrito da embarcação com a água deixava o casco escorregadio tornando quase impossível a permanência sobre a embarcação.

A estratégia do grupo era de esperar o dia amanhecer para mergulhar novamente até o interior do veleiro em busca do bote salva-vidas, sinalizador e outros mantimentos que poderiam estar ainda no local.
"O que aconteceu é que o bote acabou emergindo do nosso lado por volta de umas 2h. Depois de todo mundo ter entrado, amarramos à embarcação para esperar que o dia amanhecesse. Mas depois de uma onda, o cabo se soltou e, aos poucos fomos nos distanciando do veleiro. Tínhamos pouca água, que tivemos que racionalizar. Tudo que levamos ficou no veleiro: bússola, sinalizador, mantimentos", lembra.

Deriva
A partir de então, os seis vagavam sem rumo em mar aberto. Com quase zero de mantimentos e apenas a roupa do corpo, o bom humor foi a fórmula encontrada pelo grupo para resistir à tentação de desesperar-se com a condição de náufragos.
"Foi assim que a gente encarou. Se alguém reclamava da fome, por exemplo, lembrávamos que, em greve de fome, algumas pessoas demoravam mais de 30 dias até morrer e que teríamos bastante tempo ainda. Fomos mantendo o humor e afastando o desespero, já que não adianta nada se desesperar em uma situação como essa", afirma.

Após cerca de 35 horas dentro do bote e de passarem desapercebidos por duas embarcações, foi um navio petroleiro de bandeira libanesa, mas tripulação russa, que avistou o grupo de náufragos. Resgatados, os seis foram acolhidos, alimentados e ganharam roupas limpas.
"Foram muito cordiais com a gente. Conseguimos ligar para nossas famílias e tranquilizar o pessoal por lá. Eles deram uma cerveja para quem quisesse beber e mudaram sua rota, que ia para Bahamas, para nos deixar em Natal. Fomos resgatados às 9h e chegamos a Natal às 18h", afirma.

Experiência
Cético ao ponto de não fazer quórum a uma tentativa de oração enquanto estava à deriva no bote, Neves se apega ao preparo do grupo quando explica como conseguiu fazer parte dos 38% de pessoas que sobrevivem para contar história de um naufrágio semelhante ao que vivenciou.
"Esse índice eu fui descobrir depois, portanto, não aconselho a experiência", brinca. "A experiência que eu levo é de me preparar ainda mais para a próxima disputa. No mar, em fração de segundos você está literalmente à deriva", completa.

João Pedro Teles

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