segunda-feira, 30 de abril de 2012

Oração a Tiradentes


Desce da forca, vem, banca o safado:
Serás eleito governador ou deputado!

No dia 21 de abril, o Brasil homenageou Joaquim José da Silva Xavier, conhecido “Tiradentes”, líder da chamada Inconfidência Mineira, ocorrida em Minas Gerais no fim do século 18.

Morto e esquartejado, teve suas partes exibidas em praça pública para inibir a todos que ousassem alimentar ideologias revolucionárias ou desejar a independência do Brasil, um país e um povo na época explorados impiedosamente pela Coroa Portuguesa.

Tiradentes lutou contra esse estado de coisas e pela causa ofereceu a sua vida. “Se dez vidas tivesse, dez vidas daria pelo Brasil”, teria dito. E hoje, há razões ainda para se lutar? Não faz muito tempo, presenciamos perseguição e mortes por todo o país de pessoas que lutavam por liberdades, que tinham uma ideologia, aquela força vinda das entranhas e que motiva as pessoas a lutarem por suas causas.

A pobreza no Brasil é coisa abominável e não há “ideólogos”, ao menos aparentemente, que estejam dispostos a “dar a sua vida” para mudar essa crueldade, onde o ter com o não-ter contrasta, onde a divisão da renda de um país altamente tecnológico e riquíssimo se processa de forma desumana.

Tiradentes

Na manhã de sábado, 21 de abril de 1792, ele percorreu em procissão as ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro, no trajeto entre a cadeia pública e onde fora armado o patíbulo. O governo geral tratou de transformar aquela numa demonstração de força da coroa portuguesa, fazendo verdadeira encenação.

A leitura da sentença estendeu-se por dezoito horas; houve discursos de aclamação à rainha; o cortejo, munido de fanfarra, era composto por toda a tropa local. O historiador Bóris Fausto aponta essa como uma das possíveis causas para a preservação da memória de Tiradentes, argumentando que todo esse espetáculo acabou por despertar a ira da população que presenciou o evento, quando a intenção era, ao contrário, intimidar a população para que não houvesse novas revoltas.

A oração abaixo foi escrita por um padre e publicada nos fins dos anos setentas, em plena ditadura militar...

ORAÇÃO AO TIRADENTES

Meu pobre Tiradentes, que imbecil!
Uma pátria sonhaste, livre, forte,
e acabaste na forca. O teu perfil
tão belo e puro, teu gigante porte
não foi feito pra terra do Brasil;
mísera terra desde o sul ao norte,
terra de bandoleiros e ladrões,
de velhacos, covardes e histriões...

Meu Tiradentes, quanto nojo, quanto,
entra-me n’alma e o coração me enjoa,
quando vejo aclamando-te por santo
uma turma de hipócritas à toa...
Põem-te em pedestal granítico, entanto
a fé que tu pregaste abandonou-a,
trocando por uns sórdidos vinténs
a chama do ideal que tu entreténs...

O ínclito dragão, simples que tu és!
julgas que é nobre estertorar num laço,
estrebuchando da cabeça aos pés –
macabra dança que envergonha o espaço –
pra que depois uns sujos lhagalés,
escória da nação, fezes, bagaço
do povo, venham insultar tua glória
dizendo ovacionar tua memória.

Meu santo alferes, que estultície a tua!
Inda acreditas em patriotismo?
O cadafalso deixa, vem à rua:
verás o tétrico, o imenso abismo
de lodo e podridão onde flutua,
como estandarte porco do cinismo,
um pedaço auriverde da bandeira
que já abençoou a plaga brasileira...

Meu puro Tiradentes, o sarcasmo
cruel enxovalhou-te nome e fama.
Mais que da morte no tremendo espasmo,
sofre tua alma ao chafurdar na lama
de opróbrios e baldões, que só o orgasmo
dos teus algozes sádicos reclama...

Mas te conforta a oração do monge
e a pátria livre que tu vês ao longe...
Pátria livre? Ilusão! Engano atroz!
Hoje, seus membros fortes encadeia
a sina dos escravos. Chora a sós,
e grita e impreca. Alucinada alteia
em desespero a sólida voz:
responde o soluçar da patuléia...

Os grandes, o Governo, os ‘patriotas’
cospem na cara dos plebeus idiotas...
A pátria escrava! escravizou-a a gula
insaciável, a feroz cobiça
de tubarão, a que o governo açula,
tentando-o com os restos da carniça,
que na estrada deixou essa matula
de políticos vís, que vão à missa
da deusa Pátria, de manhã e, logo,
a pátria esquecem ou lhe deitam fogo...

Pátria que amaste e que infeliz, eu vejo
vendida ao nobre rico e ao burguês,
vendida no atacado e no varejo,
a todo e qualquer tipo de freguês,
por gente sem escrúpulos, sem pejo,
com pago à vista ou em prestações por mês...
Pátria em que o dinheiro e o suborno e as trutas
fazem reinar até as prostitutas...

Pátria em que da justiça a virgindade,
ao poluir-se em fétido bordel
de traições ao Direito e à verdade
negando a luz, afunda no marnel,
sem que ninguém de seu revés se apiade!...
Anjo de Deus, comprado por Lusbel,
ouve no charco sonorosas palmas,
que pedem bis à podridão das almas...

Pátria, à qual serviu o imortal Caxias,
e que o exército jura idolatrar,
pétreo gigante de Gonçalves Dias –
‘fronte nas nuvens, os pés sobre o mar’ -
é hoje imolada em nebras orgias,
atrás de um balcão, erguido em altar...
Repasto de abutres, lobos, chacais,
ai! morre esperando os seus generais...

Pátria sim? Ora, a pátria! que me importa
um nome que inventaram tão sonoro,
se anda a fome a rondar a minha porta
e há goteiras na choça em que demoro,
se o sol me queima e, frio, o vento corta,
se pra viver a caridade imploro?

Às favas uma pátria que é madrasta,
onde o ter co’o ter demais contrasta!
Pátria sim? Ora, a Pátria! Quanto ganha
quem serve a Pátria, ou vai morrer por ela?
Pátria é a adega, é a taça de champanha,
é na mesa caviar, serra da estrela,
Reais aos milhões, Paris, Espanha,
bela mulher com – para entontecê-la –
música, vinhos, carros, jóias, praia...
E que ao redor o mundo inteiro caia!

Meu Tiradentes mártir, hoje em dia,
neste século vinte e um progressista
não há, nem pode haver filosofia
que à lógica do estômago resista.
Heroísmo é excrescência, é anomalia,
sem sentido no credo epicurista...
Desce da forca, vem, banca o safado:
Serás eleito governador ou deputado!

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