Desce da forca, vem, banca o safado:
Serás eleito governador ou deputado!
No dia 21 de abril, o
Brasil homenageou Joaquim José da Silva Xavier, conhecido “Tiradentes”, líder
da chamada Inconfidência Mineira, ocorrida em Minas Gerais no
fim do século 18.
Morto e esquartejado, teve suas
partes exibidas em praça pública para inibir a todos que ousassem alimentar
ideologias revolucionárias ou desejar a independência do Brasil, um país e um
povo na época explorados impiedosamente pela Coroa Portuguesa.
Tiradentes lutou contra esse estado
de coisas e pela causa ofereceu a sua vida. “Se dez vidas tivesse, dez vidas
daria pelo Brasil”, teria dito. E hoje, há razões ainda para se lutar? Não faz
muito tempo, presenciamos perseguição e mortes por todo o país de
pessoas que lutavam por liberdades, que tinham uma ideologia, aquela força vinda
das entranhas e que motiva as pessoas a lutarem por suas causas.
A pobreza no Brasil é coisa
abominável e não há “ideólogos”, ao menos aparentemente, que estejam dispostos
a “dar a sua vida” para mudar essa crueldade, onde o ter com o não-ter
contrasta, onde a divisão da renda de um país altamente tecnológico e
riquíssimo se processa de forma desumana.
Tiradentes
Na manhã de sábado, 21 de abril de 1792, ele percorreu em procissão as ruas
do centro da cidade do Rio de Janeiro, no trajeto entre a cadeia pública e onde
fora armado o patíbulo. O governo geral tratou de transformar aquela numa
demonstração de força da coroa portuguesa, fazendo verdadeira encenação.
A leitura da sentença estendeu-se por
dezoito horas; houve discursos de aclamação à rainha; o cortejo, munido de
fanfarra, era composto por toda a tropa local. O historiador Bóris Fausto aponta
essa como uma das possíveis causas para a preservação da memória de Tiradentes,
argumentando que todo esse espetáculo acabou por despertar a ira da população
que presenciou o evento, quando a intenção era, ao contrário, intimidar a
população para que não houvesse novas revoltas.
A oração abaixo foi escrita por um
padre e publicada nos fins dos anos setentas, em plena ditadura militar...
ORAÇÃO
AO TIRADENTES
Meu
pobre Tiradentes, que imbecil!
Uma
pátria sonhaste, livre, forte,
e
acabaste na forca. O teu perfil
tão
belo e puro, teu gigante porte
não
foi feito pra terra do Brasil;
mísera
terra desde o sul ao norte,
terra
de bandoleiros e ladrões,
de
velhacos, covardes e histriões...
Meu
Tiradentes, quanto nojo, quanto,
entra-me
n’alma e o coração me enjoa,
quando
vejo aclamando-te por santo
uma
turma de hipócritas à toa...
Põem-te
em pedestal granítico, entanto
a
fé que tu pregaste abandonou-a,
trocando
por uns sórdidos vinténs
a
chama do ideal que tu entreténs...
O
ínclito dragão, simples que tu és!
julgas
que é nobre estertorar num laço,
estrebuchando
da cabeça aos pés –
macabra
dança que envergonha o espaço –
pra
que depois uns sujos lhagalés,
escória
da nação, fezes, bagaço
do
povo, venham insultar tua glória
dizendo
ovacionar tua memória.
Meu
santo alferes, que estultície a tua!
Inda
acreditas em patriotismo?
O
cadafalso deixa, vem à rua:
verás
o tétrico, o imenso abismo
de
lodo e podridão onde flutua,
como
estandarte porco do cinismo,
um
pedaço auriverde da bandeira
que
já abençoou a plaga brasileira...
Meu
puro Tiradentes, o sarcasmo
cruel
enxovalhou-te nome e fama.
Mais
que da morte no tremendo espasmo,
sofre
tua alma ao chafurdar na lama
de
opróbrios e baldões, que só o orgasmo
dos
teus algozes sádicos reclama...
Mas
te conforta a oração do monge
e
a pátria livre que tu vês ao longe...
Pátria
livre? Ilusão! Engano atroz!
Hoje,
seus membros fortes encadeia
a
sina dos escravos. Chora a sós,
e
grita e impreca. Alucinada alteia
em
desespero a sólida voz:
responde
o soluçar da patuléia...
Os
grandes, o Governo, os ‘patriotas’
cospem
na cara dos plebeus idiotas...
A
pátria escrava! escravizou-a a gula
insaciável,
a feroz cobiça
de
tubarão, a que o governo açula,
tentando-o
com os restos da carniça,
que
na estrada deixou essa matula
de
políticos vís, que vão à missa
da
deusa Pátria, de manhã e, logo,
a
pátria esquecem ou lhe deitam fogo...
Pátria
que amaste e que infeliz, eu vejo
vendida
ao nobre rico e ao burguês,
vendida
no atacado e no varejo,
a
todo e qualquer tipo de freguês,
por
gente sem escrúpulos, sem pejo,
com
pago à vista ou em prestações por mês...
Pátria
em que o dinheiro e o suborno e as trutas
fazem
reinar até as prostitutas...
Pátria
em que da justiça a virgindade,
ao
poluir-se em fétido bordel
de
traições ao Direito e à verdade
negando
a luz, afunda no marnel,
sem
que ninguém de seu revés se apiade!...
Anjo
de Deus, comprado por Lusbel,
ouve
no charco sonorosas palmas,
que
pedem bis à podridão das almas...
Pátria,
à qual serviu o imortal Caxias,
e
que o exército jura idolatrar,
pétreo
gigante de Gonçalves Dias –
‘fronte
nas nuvens, os pés sobre o mar’ -
é
hoje imolada em nebras orgias,
atrás
de um balcão, erguido em altar...
Repasto
de abutres, lobos, chacais,
ai!
morre esperando os seus generais...
Pátria
sim? Ora, a pátria! que me importa
um
nome que inventaram tão sonoro,
se
anda a fome a rondar a minha porta
e
há goteiras na choça em que demoro,
se
o sol me queima e, frio, o vento corta,
se
pra viver a caridade imploro?
Às
favas uma pátria que é madrasta,
onde
o ter co’o ter demais contrasta!
Pátria
sim? Ora, a Pátria! Quanto ganha
quem
serve a Pátria, ou vai morrer por ela?
Pátria
é a adega, é a taça de champanha,
é
na mesa caviar, serra da estrela,
Reais
aos milhões, Paris, Espanha,
bela
mulher com – para entontecê-la –
música,
vinhos, carros, jóias, praia...
E
que ao redor o mundo inteiro caia!
Meu
Tiradentes mártir, hoje em dia,
neste
século vinte e um progressista
não
há, nem pode haver filosofia
que
à lógica do estômago resista.
Heroísmo
é excrescência, é anomalia,
sem
sentido no credo epicurista...
Desce
da forca, vem, banca o safado:
Serás
eleito governador ou deputado!
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