O pedido de adiamento de prestação de contas feito pelo prefeito Antonio Carlos nesta semana à Câmara Municipal revela o quanto a Lei Orgânica de Caraguatatuba está superada e põe à mostra a falta de iniciativa para torná-la compatível com a realidade de nossos dias.
Teve razão o prefeito em pedir, através de ofício, licença à Câmara de vereadores para ser sabatinado sobre sua administração em oportunidade futura. É assim que tem acontecido.
Compromissos da maior envergadura exigiram a presença do chefe do Poder Executivo numa importante reunião, em que os interesses do município estavam em jogo e não podiam ser olvidados.
Era a audiência pública na mesma data promovida pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente, o Ibama, para discutir o estudo de impacto ambiental e o relatório de impacto ao meio ambiente (EIA-Rima) e os licenciamentos previstos para os municípios que sofrerão influência com os impactos do pré-sal, em que Caraguatatuba se insere.
Politicamente, muito justificada a ausência na Câmara Municipal. Mas não legal e juridicamente, conforme se verá mais adiante.
Antonio Carlos informou da impossibilidade também de seu comparecimento na terça-feira seguinte, 09 de agosto, porque nessa data igualmente outro grande compromisso estará em pauta exigindo a sua presença.
Desta feita é a realização da audiência pública em que se discutirá o plano diretor da cidade que impede a presença do prefeito, que somente estará disponível no dia 16 de agosto, uma terça-feira, para prestar contas de sua administração aos representantes do povo.
Ao que se vê, o prefeito não procurou fugir às suas responsabilidades. Antes, quis compatibilizá-las e para isso foi preciso pedir licença aos vereadores e adiamento de sua obrigação perante a Casa Legislativa.
É neste ponto que o “bicho pega”.
A lei orgânica de Caraguatatuba, em seu artigo 49, inciso VII, alínea “b”, diz textualmente que o prefeito comparecerá à Câmara de vereadores “no segundo e terceiro ano de mandato, na primeira sessão ordinária de fevereiro e na primeira sessão após o recesso de julho, para prestar contas e esclarecimentos sobre a administração do Município”.
Não abre qualquer exceção ou a possibilidade de adiamento do compromisso do chefe do Executivo nesse dia. É lei. E lei, gostem ou não, é para ser cumprida. Dura Lex, sed Lex – a lei é dura, mas é a lei...
Portanto, a negativa do prefeito consubstanciada no ofício por ele enviado à Câmara, escusando-se pela ausência no dia de sua prestação de contas, revela-se como uma atitude ilegal. E a falta de cumprimento de lei tem sanção: a perda do mandato político.
É o que diz o temido Decreto-Lei nº 201/67, que regula a cassação de mandatos de prefeitos e vereadores, em seu artigo 1º.
Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, de acordo com o 201, sujeita o responsável à perda do mandato pelo Poder Judiciário, detenção de três meses a três anos e inabilitação para o exercício de função pública pelo prazo de cinco anos.
Como se vê, a penalidade é grave e não pode ser tratado o descumprimento de lei municipal, como o caso sugere, como algo de somenos importância, bastando uma simples troca de ofícios entre poderes. Os vereadores acatam e tudo fica bem.
Não se brinca com a lei, ainda mais que a ação, neste caso, é de ordem pública, bastando que qualquer cidadão provoque a manifestação do judiciário para o processo iniciar. E o que não falta por estas bandas é gente querendo achar pêlo em ovo.
Mais que bom-senso e prudência, o dever a todos imposto de cumprir as leis soa como imperativo. Ninguém possui a faculdade de cumprir ou não a lei, segundo seu entendimento, ao seu talante. Afinal, todos são iguais perante ela.
Seria razoável que o prefeito cumprisse o seu dever e comparecesse à Câmara de vereadores para prestar contas de seu mandato. E uma vez detectada a falha legislativa, entrasse imediatamente com uma emenda para corrigir essa situação conflitante, evitando problemas de agenda no futuro, mas não agora.
Afinal, o prefeito tem o poder de iniciar o processo para emendar a Lei Orgânica Municipal. Foi-lhe dada essa competência e ele deve usá-la sempre que for preciso aprimorar o relacionamento entre poderes e compatibilizar a legislação com as necessidades encontradas ao longo do mandato.
Politicamente, os vereadores também tiveram razão em autorizar a ausência do prefeito. Era de alta relevância a sua presença em outro lugar. Juridicamente, todavia, entraram na mesma barca furada em que o chefe do Executivo pôs os seus pés.
Simplesmente descumprir a lei parece atitude desprovida de razoabilidade. Neste caso, tanto o prefeito como os vereadores colocaram-se em situação de vulnerabilidade.
Todos eles concorreram para que as disposições da Lei Orgânica de Caraguatatuba fossem violados, transformando-os em letras mortas.
Certa feita, inconformado com agressões à lei fundamental do município, o ex-vereador Jardel Moreira fez picadinho de um exemplar da Lei Orgânica e atirou seus despojos no cesto de lixo.
Não parece ser a melhor solução. Emendá-la, sim. Descumpri-la, jamais...
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